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Bolsonaro e Moro representam país conflagrado e institucionalidade no lixo

 


Reinaldo Azevedo
- Sergio Moro, que pretende disputar a Presidência pelo Podemos, está em campanha há sete anos. Convenham: para tão longa trajetória, o resultado tem sido, até agora, bastante acanhado. Menos em certo colunismo entusiasmado. A grande festa de lançamento do livro "Contra o Sistema de Corrupção" deveria ter acontecido em Curitiba, no dia 2. Reservaram um auditório para 2.300 pessoas. Apareceram 800. Pouco para a cidade que até batizou uma República fictícia. Nesta quinta, foi a vez do Rio. O encontro se deu no Teatro dos Quatro, que comporta 400 pessoas. Tenho certa curiosidade para saber quantas eles conseguiria reunir num comício. Dedicou-se, mais uma vez, à sua especialidade: fazer futrica contra ministros do Supremo, disparar ligeirezas populistas contra o sistema judicial e incentivar a politização do Judiciário. Na plateia, estava Marcelo Bretas, que já foi aliado de Wilson Witzel, bandeando-se depois para Jair Bolsonaro. Pelo visto, busca se reposicionar. Ainda voltarei ao ponto para demonstrar que Moro e Bolsonaro se igualam no compromisso com a crise permanente.

PROTESTO E ESTREIA CANCELADA
Antes do ato eleitoreiro, houve um protesto de artistas, que acharam impróprio um teatro abrigar um evento escancaradamente político. A atriz Ana Beatriz Nogueira, uma grande referência de integridade profissional na área, não gostou da mistura. Anunciou nas redes sociais: "Como atriz e produtora da peça 'Um Dia a Menos', estou cancelando minha estreia em janeiro no Teatro dos Quatro". Nove horas depois, havia 1.809 comentários. A esmagadora maioria aplaudiu a sua decisão. Bem mais do que os que decidiram ouvir as perorações do ex-juiz.

Os artistas estavam "cancelando" Moro? O ponto não é esse. E a palavra não se aplica. A razão do protesto era clara. Ele aceitou ser o segundo ministro mais importante — e lá ficou por um ano e quatro meses — de um governo que despreza a cultura e considera os artistas agentes da degeneração de valores e de costumes. A menos, claro!, que comunguem de seus delírios. E Moro, obviamente, tinha como saber em que barco estava entrando.

A justificativa de que aceitou o cargo para evitar retrocessos no combate à corrupção só convence os fanáticos já convencidos. O escândalo da rachadinha de Flávio Bolsonaro estourou em dezembro de 2018. Mesmo assim, ele tomou posse no Ministério da Justiça e Segurança Pública no dia 1º de janeiro de 2019. Com seis meses de governo, Bolsonaro já havia promovido sete alterações na legislação pró-armas. O desmonte na área cultural foi imediato e devastador. E Moro só deixou o cargo poque o presidente não lhe deu a tal "carta branca" — aquela que também prometera a Regina Duarte. Ou teria ficado lá. Voltemos ao evento em si.

PLANTANDO CONFUSÃO
Nesta quinta-feira, em solenidade no Palácio do Planalto, Bolsonaro voltou a atacar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo. Criticou a prisão do deputado Daniel Silveira, que estava presente, e sugeriu, mais uma vez, que, se quisesse, poderia jogar fora das tais "quatro linhas", destacando não ser uma ameaça, mas uma constatação... Bem, é claro que não pode. Ou já teria jogado. Mas é evidente que esse tipo de discurso degrada a democracia.

Pois, acredite, à noite, foi a vez de Moro, que é o outro pedaço da extrema direita que está na disputa eleitoral, dirigir ataques ao tribunal. Aliás, essa foi uma constante em todos os eventos de que participou. Nos lançamentos do livro, Moro sempre contrata um jornalista para servir de escada a seu "talk show", numa simulação de entrevista.

Nesta quarta, foi instado a fazer uma avaliação da atuação de Gilmar Mendes no caso da Lava Jato. Ah, adivinhem! A plateia, claro!, vaiou o ministro, criticado pelo candidato por ter "votado contra" a operação, como se a tarefa de um magistrado fosse apoiar força-tarefa mesmo quando esta desrespeita a lei.

Moro ainda afirmou: "O Supremo tem tomado decisões que têm enfraquecido o combate à corrupção. Essas anulações de condenações de Sergio Cabral, de Eduardo Cunha, que a gente não sabe exatamente por que ocorreram". Sabe, sim. Os respectivos magistrados não eram os juízes naturais das causas. Assim como ele próprio não deveria ter julgado os processos de que Lula era alvo. E só por isso foram anulados.

Para o ex-juiz, as anulações decorrem de mero formalismo. Como se um sistema judicial pudesse dispensar a forma e se ater ao puro exercício da vontade dos juízes, ainda que se dê ao arrepio da lei. Bem, um certo Moro, que agora disputa eleições, evidencia a isenção de que são capazes alguns deles, não é mesmo? Se não forem contidos pelas regras do jogo, qual o seu limite?

IN FUX WE TRUST

Mas calma! Nem tudo foi crítica ao Supremo. Moro também elogiou um membro da corte por ter votado em favor da Lava Jato: Luiz Fux. Os presentes aplaudiram. O despudor é tal que ele chegou a pensar que o ministro estivesse na plateia... Imaginem vocês! Não. Quem o prestigiava era Bretas, aquelas que divulgou um depoimento picareta incriminando Eduardo Paes às vésperas da eleição de 2018, o que beneficiou Witzel, assim como o próprio Moro tornou públicos trechos da delação de Antonio Palocci que atingiam o PT, também na boca da urna. Esse é o Judiciário que essa gente quer. E os que o aplaudiram têm mesmo de vaiar Mendes, certo?

Não me surpreende que tenha elogiado Fux. No programa "O É da Coisa" e nesta coluna, publiquei com exclusividade, informação da Vaza Jato em que o então coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, que também é candidato, contava a seu colegas o resultado de um encontro que mantivera com o ministro em 2016. Escreveu Dallagnol:
"Caros, conversei com o FUX mais uma vez, hoje. Reservado, é claro: O Min Fux disse quase espontaneamente que Teori fez queda de braço com Moro e viu que se queimou, e que o tom da resposta do Moro depois foi ótimo. Disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me pra ir à casa dele rs. Mas os sinais foram ótimos."

Esclareça-se: Moro tinha levado um pito de Teori Zavascki por ter gravado e divulgado conversa entre Dilma e Lula. Uma coisa e outra foram ilegais. Vejam ali. O procurador comemora o que seria o endosso de um ministro do Supremo à ilegalidade. O buliçoso rapaz retransmite a Moro o papo que tivera com os colegas. E este, então, responde em inglês: 

"In Fux We trust"

Deltan, então, devolve em kakakês:
"kkkk".

ENCERRO
Eis aí. Bolsonaro voltou a atacar o Supremo e tem dito que precisa vencer as eleições para nomear mais dois nomes para o tribunal, para que se justem aos "20%" que diz já ter lá: Nunes Marques e André Mendonça. Como se nota, a intenção é levar o confronto para dentro da Corte. Vê-se que o Moro, se presidente, não quer coisa muito diferente. São candidatos que só prosperam no estado de guerra permanente.

Para registro: por 6 a 5, o Supremo negou a Lula uma habeas corpus preventivo em 2018. No da seguinte, Moro decretou a sua prisão. E o petista ficou 580 dias na cadeia contra o que prescrevem a Constituição e o Código de Processo Penal. A sentença que o condenou não se digna nem mesmo a listar as provas da denúncia porque a Lava Jato de Dallagnol não as apresentou.

Procurem, no entanto, um único ataque de Lula ao tribunal ou aos seis que lhe negaram o habeas corpus. Não há. Também não me recordo de Ciro Gomes ou João Doria transformarem o STF em alvo. Se encontrar alguma coisa a respeito, eu me corrijo.

Moro e Bolsonaro são farinha do mesmo saco. A eventual eleição de qualquer um deles é sinônimo de continuidade da crise. No fim das contas, nem um nem outro respeitam a Justiça e acham que ela existe para servir aos seus desejos e desígnios.

A decisão também é sua.

*Publicado no Uol

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