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Inquérito Bolsonaro-Moro pode levar a afastamento do presidente

 


Presidente diz em depoimento à PF que ex-ministro usou indicação ao STF para negociar comando da polícia .

A Polícia Federal interrogou o presidente Jair Bolsonaro na noite desta quarta-feira (3) no Palácio do Planalto sobre a acusação de interferência política dele na corporação.

Nesta semana venceria o prazo de 30 dias estipulado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF (Supremo Tribunal Federal), para que fosse colhido o depoimento do presidente.

Bolsonaro é suspeito de interferir na cúpula da corporação para proteger parentes e aliados, suspeita levantada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

No depoimento desta quarta, Bolsonaro negou interferência na PF e afirmou que trocou seu comando por uma questão de diálogo.

"Nunca teve como intenção, com a alteração da direção geral [da PF], obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal", afirmou o presidente, segundo transcrição da PF.

Ainda disse que Moro teria concordado com a nomeação do delegado Alexandre Ramagem, atualmente na direção da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), para o comando da PF desde que isso ocorresse após sua indicação para vaga de ministro do STF.

Leia a seguir perguntas e respostas para entender o caso.

Qual a origem e o objetivo da investigação? O inquérito foi aberto em abril de 2020 horas depois de Sergio Moro pedir demissão do Ministério da Justiça com acusações ao presidente Jair Bolsonaro. O objetivo da apuração é verificar se as afirmações do ex-ministro, de que Bolsonaro teria tentado interferir na PF, são verdadeiras ou se ele mentiu sobre o comportamento do chefe do Executivo.

Bolsonaro poderá ser denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e, se o Congresso aprovar o prosseguimento das investigações e o STF aceitar a abertura de ação penal, será afastado do cargo automaticamente por 180 dias.

Quais os possíveis crimes investigados?
No pedido de abertura de inquérito, o procurador-geral da República, Augusto Aras, citou oito crimes que podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Nada impede, no entanto, que a investigação encontre outros crimes.

Sergio Moro também é investigado? Por quais supostos crimes? A PGR não afirma, no pedido para apurar o caso, os crimes que podem ser imputados a cada um. Interlocutores de Aras, porém, afirmam que os delitos possivelmente cometidos por Moro são denunciação caluniosa, crime contra a honra e prevaricação.

O que Moro disse em depoimento à Polícia Federal? O ex-ministro reafirmou as acusações feitas ao pedir demissão do Executivo e detalhou sua relação com Bolsonaro. Sobre a intromissão no trabalho da Polícia Federal, Moro revelou que, por mensagem, o presidente cobrou a substituição na Superintendência da PF no Rio de Janeiro.

"Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro", disse Bolsonaro pelo WhatsApp, segundo transcrição do depoimento do ex-ministro à PF. Além disso, ressaltou que o presidente teria reclamado e demonstrado a intenção de trocar a chefia da corporação em Pernambuco.

O que Moro apresentou como possíveis provas?
O ex-juiz da Lava Jato apresentou conversas trocadas por WhatsApp e relatou que Bolsonaro chegou a ameaçá-lo em uma reunião ministerial gravada pelo governo.

Quem irá definir se os relatos de Moro configuram uma ingerência passível de denúncia ou apenas o exercício de prerrogativas presidenciais?
Ao finalizar as apurações, a PF fará um relatório em que concluirá que ambos são inocentes ou, se for o contrário, indiciará os dois ou apenas um deles. Esse relatório policial será encaminhado à PGR, que não fica vinculada à conclusão da corporação. Ou seja, caberá a Aras analisar as provas e decidir se oferece ou não a denúncia.

Há prazo para a conclusão das investigações? O Código de Processo Penal estabelece que inquéritos têm de ser concluídos em 30 dias ou em 10 dias se envolver réu preso. Esse prazo, no entanto, nunca é respeitado, inclusive nas investigações que correm perante o STF. Portanto não há prazo limite.

Quais podem ser as consequências a Bolsonaro nessa investigação?
O presidente pode ser denunciado pela PGR e, se a Câmara dos Deputados aprovar o prosseguimento e o STF aceitar a abertura de ação penal, ele será automaticamente afastado do cargo por 180 dias, até uma solução sobre a condenação ou não. Caso o Legislativo barre o prosseguimento das investigações, o processo voltará a correr após ele deixar o mandato.

Houve interferência de Bolsonaro na PF?
Sim. Embora tenha prometido publicamente carta branca ao seu ex-ministro da Justiça para definir os cargos de comando da PF, o presidente demitiu, contra a vontade dele, o então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, e na sequência mudou a chefia da Superintendência do órgão no Rio de Janeiro.

A interferência aconteceu por objetivos políticos nas investigações?
Há indícios de que sim. Um deles é que, antes de exonerar Valeixo, Bolsonaro enviou uma mensagem a Moro com o link de uma reportagem com o seguinte título: "PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas". Na sequência, escreveu: "Mais um motivo para a troca".

Outro elemento é o próprio vídeo da reunião ministerial em 22 de abril de 2020. Num dos momentos, ao reclamar da falta de informações de órgãos diversos, Bolsonaro fala em interferir na PF —inicialmente, o presidente negava até mesmo ter se referido à Polícia Federal no encontro, o que não se demonstrou verdadeiro.

Em outro momento, o presidente reivindicou a troca de "gente da segurança" no Rio para que seus amigos e parentes não fossem prejudicados. A Superintendência no Rio conduz investigações relacionadas a um dos filhos de Bolsonaro e alguns de seus aliados. 

Como presidente, Bolsonaro pode interferir na PF? É atribuição do presidente a nomeação de ministros e de qualquer outro cargo da estrutura do Executivo. O próprio Bolsonaro disse publicamente que queria mexer nos cargos da corporação, mas, para ele, não seria uma interferência. A questão central na investigação é saber se o presidente demitiu o diretor da PF e se forçou a troca do superintendente no Rio por interesses pessoais.

A versão de Bolsonaro de que seu pleito era mudar as equipes do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) no Rio, responsáveis pela proteção dele e de familiares, se mantém? Essa versão está bastante fragilizada. Os fatos indicam que o presidente não estava descontente com o desempenho do GSI na sua segurança pessoal. Tanto que, semanas antes da reunião ministerial, o chefe dessa equipe foi promovido e substituído pelo número dois do grupo.

Outro indicativo de que a explicação não procede ocorreu na reunião ministerial. Ao reclamar da troca de pessoal no Rio, Bolsonaro olha em direção a Moro, então chefe da PF, e não para o general Augusto Heleno, ministro do GSI.

Mais uma evidência é a própria sucessão de eventos após a agenda com os ministros. Dois dias depois da reclamação, foi o então diretor da PF quem o presidente demitiu. Um dos primeiros atos da nova gestão do órgão foi substituir o superintendente no Rio. 


    Advocacia administrativa

O uso de estruturas oficiais para proteger pessoas próximas, como sugeriu o presidente na reunião do dia 22 de abril, é um indício de que ele pode ter se valido do cargo público que ocupa para patrocinar interesse privado perante o Estado.

Ao citar o desejo de "trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro" porque não queria esperar que prejudicassem "os amigos", além da família, o chefe do Executivo indica a possibilidade de ter cometido o crime de advocacia administrativa.

Em relação aos parentes, Bolsonaro pode alegar que estava se referindo à segurança pessoal, que é garantida por lei ao presidente da República e seus familiares. A proteção, porém, não abrange as amizades do presidente.

Bolsonaro também pode ser enquadrado nesse delito se ficar comprovado que interferiu no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para beneficiar uma obra de um de seus apoiadores, o empresário Luciano Hang, dono da Havan.

Na reunião ministerial de 22 de abril, ele reclama que o órgão "para qualquer obra no Brasil" e citou uma construção de Hang. À coluna Painel a ex-diretora do Iphan Kátia Bogéa disse que foi demitida da função por pressão de Hang e de Flávio, que teria sido o porta-voz de queixas de empreiteiros baianos sobre a atuação de Kátia. A pena para esse delito é de três meses a um ano.

    Obstrução de Justiça

Na entrevista concedida após a divulgação do vídeo da reunião, Bolsonaro admitiu que temia a expedição de ordem judicial de busca e apreensão contra seus filhos. Segundo ele, isso poderia ser armado pelo então governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).

Ocorre que, para uma operação dessa natureza ser realizada, é necessária autorização judicial. E não cabe ao chefe do poder Executivo interferir no trabalho do Judiciário, que analisa eventuais pedidos de busca e apreensão feitos por investigadores da polícia e do Ministério Público.

Na entrevista, Bolsonaro ressaltou que levantou essa possibilidade porque, "graças a Deus", tem "amigos policiais civis e policiais militares do RJ", que o teriam avisado.

Nessa declaração, ele dá a entender que pode ter evitado uma operação policial contra seus filhos —Flávio e Carlos, alvo da PF por supostamente articular esquema de disseminação de fake news.

Além disso, a afirmação também pode levar à advocacia administrativa, uma vez que servidores públicos de órgãos de segurança o teriam ajudado sem que prestassem serviço diretamente a ele. A pena para esse crime é de dois meses a dois anos de prisão.

    Falsidade ideológica

Bolsonaro pode ter cometido o crime se ficar comprovado que adulterou o Diário Oficial da União em relação à demissão de Maurício Valeixo da direção-geral da Polícia Federal.

Ao anunciar que deixaria o governo, Moro afirmou que não tinha assinado, como constava no ato oficial, a exoneração de Valeixo, que havia sido publicada no mesmo dia pela manhã.

Na ocasião, a exoneração foi publicada "a pedido" e com o endosso de Moro, e Bolsonaro usou as redes sociais para afirmar que essa era uma prova de que não queria interferir na corporação e que a mudança na corporação havia partido do próprio Valeixo. Horas depois, porém, o governo republicou o Diário Oficial sem a assinatura de Moro. A pena prevista para o crime é de 1 a 5 anos de prisão.

    Coação no curso do processo

O presidente não detalhou como levantou com "amigos policiais civis e militares do Rio de Janeiro" que estava sendo "armada" uma operação de busca e apreensão na casa de um de seus filhos. Caso a evolução das investigações aponte que Bolsonaro ameaçou algum servidor para interferir em processo judicial ou policial para blindar seus parentes, porém, pode ficar caracterizada a coação no curso do processo. A pena para esse delito é de 1 a 4 anos de reclusão.​

*Com informações da Folha

 

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