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Terrivelmente evangélicos


Sou filho e neto de evangélicos, não que isso possa me dar algum tipo de status espiritual ou que, de alguma forma, possa me tornar melhor que alguém, mas me ajuda a pensar o cenário evangélico a partir de lembranças e experiências vividas nos últimos cinquenta anos. 

Cresci na igreja protestante, meus pais de linha tradicional, meus avós pentecostais. Fui ensinado desde a tenra idade que tínhamos uma conduta que caracterizava de forma clara nossa crença. Nunca fomos dados a extravagâncias, antes, procurávamos ser honestos e verdadeiros. Lembro-me das pessoas dizerem na escola que se quisessem alguém correto, que procurassem um evangélico.

Mas o tempo passou. Na adolescência, vivi a influência “gospel” americana que chegava com muita força, especialmente nas músicas que cantávamos nos cultos. Aos poucos foram surgindo grupos musicais jovens onde eram introduzidos instrumentos elétricos, baterias e microfones. Com o tempo esses grupos se tornaram bandas e, já na minha fase adulta, vi outras inovações tomarem conta das comunidades evangélicas. Vieram os pastores da TV e, sobretudo, ainda mais impactante, a Teologia da Prosperidade.

Essa forma de ser cristão foi realmente traumática para nós que até então não víamos relação entre bens materiais e as bênçãos do Altíssimo. O novo modo de ser cristão passou a considerar que se a pessoa era alinhada aos preceitos de Deus deveria receber de forma concreta favores materiais. Assim, carros, casas, marcas de roupas, viagens e boa condição financeira seriam demonstrações de bênçãos. 

 Foi a partir disso que vimos alguns pastores brasileiros, a maioria donos de suas próprias igrejas, se tornarem bilionários ao vincular a capacidade de ofertar ao poder de conquistar prosperidade. Lançavam – e ainda lançam – desafios monetários incentivando as pessoas a contribuírem para eles mesmos altas quantias com a promessa de ficarem ricas e possuírem o mundo. O poder da mídia e a acentuada ambição das pessoas contribuíram muito para o sucesso financeiro dessas empresas da fé. 

Superados os solavancos da “gospelização” e posteriormente da “monetização” do protestantismo brasileiro, vemos surgir agora o “evangelho terrível”, articulado e incentivado pelo atual governo. Ser “terrivelmente evangélico” significa ser intensamente fundamentalista, ou seja, usar a Palavra de Deus ao pé da letra e a seu próprio serviço e interesse, especialmente o Antigo Testamento recheado de violência e radicalismo.

Na verdade, o Antigo Testamento é a parte das escrituras que relata uma fé judaica, segundo a lei de Moisés, do “olho por olho, dente por dente”, tendo como pano de fundo as conquistas de Israel recheadas de sangue e morte, ou seja, nada a ver e totalmente contrário ao ensinamento cristão, inaugurado pelo Jesus que ensinou a dar a outra face, a andar a segunda milha, a perdoar, ter misericórdia e amar o próximo como a si mesmo.

O triste é que, em nome de Deus, os “evangélicos terríveis” incentivam o uso de armas, a justificação de mortes, de tortura, a discriminação de pessoas especiais – principalmente nas escolas – o menosprezo às mulheres, ao pobre, injúrias raciais, a insurreição às leis, a deposição dos poderes instituídos, apoiam o uso de palavras de baixo calão e até imorais, sorriem da falta de educação, se envolvem em negociatas governamentais envolvendo lucro para seus bolsos, insuflam a população à violência, deslizam nos corredores de Brasília por interesses pessoais políticos e de poder, distorcem a palavra bíblica para chancelar desmandos e desumanidades e, mesmo cientes, preferem as trinta moedas de prata ao Jesus de Nazaré que nunca se amoldou a nenhum interesse, antes, confrontou o próprio satanás dizendo “arreda-te de mim”!

Presumo que se o protestantismo brasileiro não se alinhar novamente ao cristianismo bíblico mais que a outro “ismo” que assola o país, precisaremos nós, os “não terríveis”, nos retirarmos do institucionalismo para mantermos nossa fé nos caminhos do mestre Jesus. 

Prosseguiremos resistentes, cristãos mais que nunca, talvez voltemos para as cavernas, talvez sejamos perseguidos e discriminados também, mas pelo menos não nos deixaremos levar por mentes terríveis que promovem terror, dissolução, retrocesso e decadência humana na sociedade brasileira.


*
Rev. Nilson da Silva Júnior
Publicado na Tribuna Piracicabana, em 24 de Agosto de 2021

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