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Marcio Pochmann: O Brasil na visão de banqueiros

 


De forma surpreendente, dois banqueiros brasileiros recentemente se manifestaram a respeito de como tratam a realidade e veem o futuro no Brasil. De imediato, percebe-se, tanto da leitura da entrevista de Roberto Setúbal do Itaú Unibanco quanto da escuta da exposição de André Esteves do BTG Pactual, a superficialidade com que a fina flor do pode burguês, especialmente na esfera do capital financeiro, interpreta e interfere nas questões de ordem nacional a partir de sua posição no “andar de cima” da sociedade.

Uma verdadeira aula a expressar o quanto representantes da classe dominante, que sem voto e legitimidade popular, encontram-se organizados para fundamentar a transformação recente do Brasil em ruína processada por plataformas das grandes negociatas. Com visões extremamente apequenadas, sem disporem de projeto para a nação, explicitam perspectivas rebaixadas, associadas ao realismo periférico, próprio de elites subalternas a extrair – sempre do “andar de baixo” - a riqueza validada, em sequência, por governos vassalos.

No país de democracia asfixiada, suas instituições legitimadoras são assaltadas pelos que não tem votos, mas que pelo poder econômico impõe os seus interesses minoritários à maioria da população. A esfera pública passa a operar na dinâmica privada, quando não pela lógica privatista presente em diretorias do setor público, como o Banco Central Independente, a Petrobras dos controladores de dividendos, entre outros. 

Pela manifestação que banqueiros tornaram recentemente pública, o problema central do Brasil não passaria por sua dependência externa crescente, motivada, sobretudo desde os anos de 1990, pela opção neoliberal de ingresso passivo e subordinado na globalização. O resultado disso tem sido a devastação que se impôe a incompleta sociedade urbana e industrial, submetida à dominância do sistema rentista que se circunscreve a formas primitivas de expropriação, validadoras fundamentalmente do estoque de riqueza velha.

Do antigo ciclo sistêmico de acumulação assentado na expansão material da industrialização e urbanização entre as décadas de 1930 e 1980, resta atualmente o movimento econômico focado na esfera da circulação. Isto é, a centralidade das operações de compra e venda de papéis financeiros (títulos públicos e privado), de ativos do patrimônio estatal e a das commodities e neoextrativismo que o sistema rentista insiste em propagandear como sendo popular.

Mas essa popularidade desejada pelo poder burguês se distancia da produção de vacinas e outros produtos mais complexos, inseparavelmente demandante de importações. A dependência nacional do exterior é geral e crescente, aproximando-se à época da República Velha (1889-1930), quando o acesso à padrão de consumo dos ricos vinha importado de navio da Inglaterra em troca da exportação local de commodities “pop” da época.

Um verdadeiro “país de sobremesa”, conforme Oswald de Andrade costumava definir o tipo de presença do Brasil na Divisão Internacional do Trabalho no começo do século passado. Cem anos depois, país se reconhece envelhecido, combinando o padrão de consumo elitizado no reduzido “andar de cima” com a fome e o maior custo de vida na base da pirâmide social. 

Ao que parece, a elite do dinheiro nos dias de hoje, desconhecedora da história brasileira, ao que parece, insiste em reproduzir a famosa frase proferida por Karl Marx no livro 18 de Brumário, “primeiro como tragédia, depois como farsa” diante da repetição de Bonapartes no poder na França. Em sendo assim, o Brasil estaria diante da farsa do sistema rentista, após a tragédia passado pelo atraso do ganhos dos ricos através da escravidão.

A pandemia do coronavírus explicitou o quanto o sistema rentista empobreceu o país. Dependente de sua posição rebaixada na Divisão Internacional do Trabalho, o Brasil passou a importar de tudo, transferindo recursos nacionais para países exportadores de bens manufaturados, de maior valor agregado, tecnologicamente avançados e melhores empregos e remuneração.

O desencontro entre os mesquinhos interesses do “andar de cima” da sociedade e o conjunto do povo se tornou cada vez mais evidente. No país que concentra o segundo maior rebanho bovino do mundo, superior a população nacional, expande a parcela do seu povo que precisa disputar em longas filas, os ossos de carcaças sobrantes das exportações de cortes nobre das carnes a alimentar os povos de outros países.

Da mesma forma, a contradição se estende ao reconhecimento do Brasil que ocupa a segunda posição de maior exportador de alimentos do mundo, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC). Mesmo assim, três a cada quatro domicílios localizados em áreas rurais brasileiras vivem em situação de insegurança alimentar. 

*Carta Maior

 

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